terça-feira, 6 de agosto de 2013

A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: OS MODOS DE CONHECER DOS HEMISFÉRIOS CEREBRAIS ESQUERDO E DIREITO E A SUA RELAÇÃO COM A RESTAURAÇÃO DAS CAPACIDADES RELACIONAIS DO HOMEM, BEM COMO UMA APRECIAÇÃO CRÍTICA DA ABSORÇÃO DA “MENTALIDADE GREGA” PELA IGREJA CRISTÃ AO LONGO DE SUA HISTÓRIA




A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: A RESTAURAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS COMO PARTE INTEGRANTE DA RENOVAÇÃO DA MENTE - PARTE 2

(...)

IV) A “neuroespiritualidade” do “nós”: os modos de conhecer dos hemisférios cerebrais esquerdo e direito e a sua relação com a restauração das capacidades relacionais do homem, bem como uma apreciação crítica da absorção da “mentalidade grega” pela igreja cristã ao longo de sua história

            O pecado original trouxe separação; Deus nos traz reconciliação. Não há, contudo, reconciliação sem arrependimento e perdão. Todos nós precisamos de reconciliação e cura em três níveis de relacionamento: no relacionamento com Deus, no relacionamento consigo mesmo e no relacionamento com as pessoas. Todos os homens, neste mundo decaído e sujeito ao cativeiro da corrupção, estão partidos e separados em seus relacionamentos interiores e exteriores, de maneira que, no intuito de obter inteireza emocional e mental e a oportunidade de se maturar como pessoas, nós devemos reconhecer e profundamente nos arrepender das separações existentes em nossas vidas (cf. PAYNE, Leanne. The Healing Presence: Curing the soul through union with Christ. Grand Rapids: Baker Books, 1995, p. 37).
            Nossa reconciliação com Deus é fundamental, contudo, não podemos parar neste ponto, já que a verdadeira personalidade é enraizada em relacionamentos: primeiro com Deus e, por via de consequência, com tudo o que Ele criou, incluindo aí a nossa família, amigos, autoridades, vínculos de trabalho, enfim, o nosso semelhante; não basta ser participante da natureza divina pelo novo nascimento (regeneração), mas é preciso nos movermos através de relacionamentos sadios e de confiança para vivermos as realidades mais profundas do Reino de Deus como o Corpo de Cristo, notadamente a compaixão e o amor, que cobre multidões de pecados: “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados” (1 Pedro 4:8 - ARA).
            Jesus não só ensinou o caminho, a verdade e a vida através de palavras e discursos, mas Ele se definiu como o caminho, a verdade e a vida, pelo que se pode inferir que, quanto mais conhecemos Jesus em um relacionamento de intimidade, maior será a profundidade do entendimento espiritual que teremos acerca do que é o caminho, a verdade e a vida. Cristo nos chama para conhecê-lo e desfrutar de um relacionamento de confiança mútua, inclusive com nossos irmãos na fé, porque é este tipo de relacionamento que nos proporciona a forma mais elevada de conhecimento, o relacional, e transforma-nos como pessoas, curando os nossos aspectos relacionais partidos, a exemplo do que o tão citado trecho de Tiago 5:15-16 nos diz a respeito da confissão de pecados e da oração do justo:

15 E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. 16 Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo. 
           
Jesus, em seu ministério terreno, estava sempre atraindo pecadores para dialogar e estabelecer relacionamento com Ele, cativando os quebrados e desprezados deste mundo através da vida e da confiança que Ele transmitia, fazendo-os enxergar as verdades mais profundas, inclusive a respeito si mesmos, verdades estas que têm o poder de transformar, exortando-os ao arrependimento para que pudessem restaurar o relacionamento com o Pai Eterno e prosseguir nesse real e verdadeiro caminho da salvação pela graça de Deus mediante a fé (de forma semelhante, mas aplicado ao relacionamento desenvolvido na terapia psicológica, consultar BAKER, Mark W. Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante, 2005, p. 16-17).
            Isso foi o que aconteceu, por exemplo, com a mulher samaritana (João 3), uma pecadora machucada e envergonhada pelos pecados sexuais, que já tinha procurado seu valor, identidade e destino nutrindo relacionamentos sexuais com tantos homens, mas ainda continuava seca e estilhaçada por dentro, relacionando-se impiamente com um homem que não era seu marido, com um vazio na alma que só o relacionamento direto com Jesus pôde preencher, trazendo-lhe o fim dos cativeiros e a restauração de sua alegria.
            Ninguém pode conhecer todas as realidades da vida tão somente se utilizando do intelecto. Reduzir nosso conhecimento ao nível do conhecimento intelectual é ser um homem de meio cérebro, já que este tipo de conhecimento lógico, linguístico, linear, literal é ligado ao hemisfério cerebral esquerdo. Há outras formas de conhecimento ligadas ao hemisfério cerebral direito e que necessitam ser cultivadas e desenvolvidas a fim de que possamos ser mais eficazes e sadios em nossas habilidades relacionais, tais como a percepção de um mapa integrado do corpo (sentir dor e toque, além do reconhecimento cerebral de que temos mãos, pés, cabeça, etc.), a orientação visuoespacial (o senso de três dimensões – onde os seres humanos e os objetos estão no espaço em relação a um ao outro), a percepção do contexto social e emocional (que nos ajuda a interagir de forma adequada com outros e nos ajuda a conduzir o fluxo das conversas e outras interações levando em consideração as circunstâncias que nos rodeiam), o senso holístico de experiência (a captação e percepção da experiência com uma análise global e um entendimento geral da mesma em todos os seus elementos sensoriais, emocionais, etc.) e a comunicação não verbal (a qual é responsável por 60 a 90 por cento de toda a comunicação humana, tais como as formas de toque, as expressões faciais, os tons de voz, sinais, etc.) (a este respeito, acerca das conexões entre as neurociências e a espiritualidade cristã, consultar THOMPSON, Curt. Anatomy of the Soul: Surprising connections between neuroscience and spiritual practices that can transform your life and relationships. Tyndale Publishing House, 2010, p. 33-34). 
Sem desprezar as formas de conhecimento do hemisfério cerebral esquerdo, principalmente no que tange à aquisição das doutrinas bíblicas, as quais são fundamentais como matéria-prima para a renovação da mente, já que as mesmas nos mostram o padrão do caminho de retidão capaz de destruir a atuação da iniquidade, devemos cultivar também as formas de conhecimento relacionadas ao hemisfério cerebral direito, o que, como se disse, é fundamental para a melhoria e maturação dos nossos aspectos relacionais, porque, em tais formas, nós adquirirmos o patamar mais elevado e mais nobre de conhecimento que se pode obter, o ser conhecido, o qual nos tira do isolamento, quebrando as cadeias da vergonha, do medo, da rejeição, da culpa, dos sentimentos negativos com a exposição dos mesmos em um relacionamento maduro de confiança e empatia, diluindo, assim, a dor, mudando, resolvendo, curando e/ou validando os sentimentos e expectativas de vida, possibilitando-se, assim, o desenvolvimento do fruto do Espírito, notadamente o amor, ou seja, a restauração das capacidades de amar e ser amado.
Isto, portanto, confirma sobremodo o valor das disciplinas da confissão de pecados e da oração específica sobre os mesmos, do discipulado individual, do aconselhamento, dos relacionamentos de ajuda de uma forma geral, desenvolvidos por psicólogos cristãos e ministérios de ajuda em uma área específica (família, sexualidade, finanças, etc.), tudo em consonância com Tiago 5:16. Neste sentido, trago à colação as preciosas palavras de Mark Laaser:

Cada vez que compartilho minha dor com outros e eles podem compartilhar sua dor comigo, conectamo-nos. Sempre que isto acontece, minha dor se mitiga. Minha vergonha e minhas feridas me oferecem a oportunidade de compreender a dor de muita gente. Isto foi o que fez Cristo: veio a Terra e compartilhou nossa dor. Jesus conheceu a dúvida, a angústia, a traição, a dor e o abandono. Conforme compreendo que Deus, em Cristo, compartilha minha dor, cada vez minha carga se alivia e se faz mais fácil levá-la (LAASER, Mark R. Cómo sanar las heridas de la adicción sexual. Miami: Vida, 2005, p. 163, tradução minha do espanhol).

Muitas congregações religiosas resumem-se a um culto de ensino de doutrina (ou mesmo de mensagens superficiais) para a generalidade das pessoas, em que tudo é centralizado nas mãos de um pastor sobrecarregado. Tal metodologia é falha e precária, justamente pela falta de vínculos sadios de relacionamento entre os membros da congregação, bem como pela carência de relacionamentos de ajuda, isto porque a restauração das capacidades de amar e ser amado não se trata tão somente de aquisição de conhecimento lógico-doutrinário, mas, sobretudo, da estruturação de vínculos de amor, afeto, confiança e empatia que possibilitem que as pessoas possam dar-se a conhecer e, no meio deste processo, chegar a uma auto percepção das verdades mais profundas acerca de si mesmas dentro de seu histórico de vida, a fim de viabilizar o processo de mudança e restauração de referenciais de relacionamento que porventura tenham sido partidos em relacionamentos não sadios, disfuncionais ocorridos anteriormente. Neste particular, importante considerar os ensinamentos da psicóloga cristã Esly Regina Carvalho:

A falta de saúde no coração é um dos maiores obstáculos para o crescimento espiritual e santidade do cristão. (...). Informação não é suficiente. Se fosse, os sermões já teriam curado todo o nosso povo, porque excelentes informações são compartilhadas em muitas pregações. Mas a informação intelectual muda muito pouco a conduta. Não toca a parte necessária do nosso cérebro responsável pela mudança de comportamento. E pouco toca nosso coração. Por isso sabemos de excelentes pregações e também de cristãos que continuam lutando com seus problemas emocionais. (...) Tiago 5.16 nos diz que devemos confessar nossos pecados uns aos outros e orar uns pelos outros para sermos curados. Essa é uma das receitas mais preciosas que temos para a saúde do coração. (...). Uma pessoa que tem uma ferida no seu coração não é capaz de ser santa nessa área de sua vida. A dor da ferida a impede. Mas, se ajudarmos a curar essa ferida, derramando o amor incondicional de Deus nesse lugar, por meio da nossa aceitação incondicional, pouco a pouco veremos essa pessoa se tornar cada vez mais santa, mais parecida com Jesus (Saúde emocional e vida cristã. Viçosa: Ultimato, 2002, p. 12-13, grifos nossos).

O mundo jaz no maligno e, assim sendo, toda a forma de aquisição de conhecimento está sujeita ao cativeiro da vaidade do individualismo, de modo que os homens vêm adquirindo conhecimento ao longo das épocas para se justificar e mostrar que estão com a razão, a fim de não glorificar Deus como o Senhor soberano sobre tudo e todos, nem lhe dar graças, dando ênfase nas coisas criadas, adorando-as e, por conseguinte, excluindo o Criador da base da formação da ciência (Romanos 1:19-25), sob o argumento de que Ele não é “empiricamente verificável” à luz das metodologias da indução, da dedução, enfim, da experimentação necessária para provar as hipóteses da “verdade válida” apta a demonstrar uma relação de causa e efeito; isto é o que o apóstolo Paulo chama, em Romanos 1:18, de “deter a verdade em injustiça”, isto é, os homens detém a verdade a sua própria maneira, tentando usurpá-la da propriedade do Senhor Jeová, que é o seu único e verdadeiro autor intelectual, “mudando a verdade de Deus em mentira” (Romanos 1:25), tudo com a finalidade de sustentar, justificar e validar a impiedade e perversidade humanas. Fizeram isto com tanta intensidade que “se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Romanos 1:11-12 - ARA).
Esse modelo reducionista de obtenção da “verdade válida” apenas se utilizando das faculdades do intelecto, o que atualmente se sabe estar ligada a atividade do hemisfério cerebral esquerdo é uma herança da mentalidade grega, especialmente de Aristóteles; ele confinava o modo do homem receber o conhecimento aos dados obtidos através de sua experiência dos sentidos e da razão; dentro desta perspectiva, o homem entra em contato com o real sintetizando a experiência por meio da razão. Aristóteles desenvolveu uma epistemologia (teoria do conhecimento) que valorizou, assim, as formas de conhecimento ligadas ao que tem sido denominado de mente consciente, desprezando e rechaçando o pensamento de Platão, que também incluía como conhecimento válido os modos de conhecer da inspiração divina, do poeta e do profeta, do sonho e da visão e, o mais importante, os modos de conhecer do amor, que, como se sabe, é atributo essencial do nosso Deus (1 João 4:8). Estes são os caminhos do que comumente se denomina de mente inconsciente: a figura, a metáfora, o símbolo, o mito e, com o amor, o caminho da encarnação de Cristo neste mundo, o qual uniu aquilo que antes era considerado como “mito” (ou como profecia) com a realidade do fato. Se a corrente de Platão tivesse sido vitoriosa com a manutenção das citadas formas de conhecimento, não teríamos o termo contraditório “mente inconsciente” no vocabulário atual, já que, em verdade, não se trata de inconsciente, mas de diversas formas de consciência, o que hoje, com o avanço das neurociências, sabe-se estar ligada principalmente a atividade do hemisfério cerebral direito (cf. PAYNE, Leanne. Imagens Partidas: Restaurando a integridade pessoal por meio da oração. São Paulo: SEPAL, 2000, p. 192).
A epistemologia, isto é, a teoria do conhecimento, estabeleceu o que considera como aceitável em termos de estudo da origem, da estrutura, dos métodos e da validade do conhecimento; ela é uma das principais áreas da filosofia e compreende a possibilidade do conhecimento, ou seja, se é possível o ser humano alcançar o conhecimento total e genuíno, tratando da origem do conhecimento.
A teologia cristã desenvolveu ao longo dos tempos a sua epistemologia, estabelecendo o que considera como válido em termos de possibilidade do conhecimento; e o pensamento cristão acabou por se entranhar deste “espírito da Grécia”, aceitando as pressuposições do pensamento Aristotélico e incorporando-as a sua teologia, especialmente através de São Tomás de Aquino, o qual atrelou umbilicalmente a fé e a razão, de modo que a compreensão judaico-cristã a respeito do coração profundo (a chamada mente inconsciente e seu modo de conhecer) simplesmente sumiu de vista, até mesmo porque não havia categorias cognitivas pelas quais reconhecê-lo (neste sentido, PAYNE, Leanne. Real Presence: The glory of Christ with us and within us. Grand Rapids: Baker Books, 1995, p. 131-132).     
Em decorrência da adoção da corrente de Aristóteles (e também de São Tomás de Aquino na teologia), cristãos e não cristãos passaram, de igual modo, a valorizar exclusivamente o intelecto, os modos de conhecer da mente consciente, do hemisfério cerebral esquerdo, como formas de conhecer superiores, em detrimento da intuição, da chamada mente inconsciente, das formas de conhecer do hemisfério cerebral direito, o que, sem dúvida, tem sido um obstáculo para que o pensamento cristão entenda a imaginação criativa, bem como suprimiu em grande escala a compreensão da obra do Espírito Santo no homem (neste sentido, PAYNE, Imagens Partidas, p. 193 e PAYNE, Real Presence, p. 132).
Entretanto, Deus não criou um homem de meio cérebro, mas um homem com uma mente integrada para desempenhar todo o seu potencial, dominando e intervindo sobre a natureza; o homem é um ser relacional e, tanto é assim, que se desenvolve extraindo as formas de saber da experiência com outros, notadamente a partir da família e de seus primeiros cuidadores, de seus referenciais de autoridade, o que não é uma questão ligada tão somente à aquisição de conhecimento lógico, mas também tem haver profundamente com as formas de saber ligadas ao hemisfério cerebral direito, na conformidade do descrito acima.     
Essa falha no entendimento das formas peculiares de saber ligadas ao que se chama de mente inconsciente ou das funções do hemisfério cerebral direito, conforme atualmente nos apresentam as neurociências, tem trazido sérios problemas, uma vez que é a faculdade intuitiva (e não o raciocínio) que é a sede da imaginação criativa, da memória e dos dons do Espírito Santo (cf. PAYNE, Imagens Partidas, p. 192 e PAYNE, Real Presence, p. 131); até mesmo porque os dons do Espírito Santo não são dons que atuam tão somente num plano lógico, linear, literal e linguístico, mas, sobretudo, são capacitações do Espírito para a edificação do outro, do Corpo de Cristo como um todo, o que certamente pressupõe o nível relacional e, por via de consequência, as formas de saber ligadas ao hemisfério cerebral direito.
Essa herança grega, que reduz a possibilidade do conhecimento aos modos de conhecer do intelecto, da razão e do conhecimento empírico, as quais são lógicas, lineares, literais e linguísticas e, portanto, ligadas a atividade do hemisfério cerebral esquerdo, tem dominado a nossa maneira cultural de pensar pelos últimos quatrocentos anos, sendo que, a título de exemplo, a maior parte dos sistemas educacionais se baseia no conceito de que você pode aprender através da retenção de informações sem a necessidade de aplicação prática, o que, em grande parte, tem gerado alunos recém-formados nas universidades que não sabem fazer nada quando começam a trabalhar e precisam aprender o como fazer no próprio emprego (cf. THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 8; COPE, Landa. Template Social do Antigo Testamento: Redescobrindo princípios de Deus para discipular as nações. 3 ed. Almirante Tamandaré: Editora Jocum Brasil: 2011, p. 130).
A forma mental de processamento do hemisfério cerebral esquerdo desconsidera os elementos emocionais de confiança inerentes ao hemisfério cerebral direito, que são necessários para a vida em desenvolvimento. Quando eu sei que eu sei alguma coisa porque eu posso logicamente prová-la (forma de processamento mental do hemisfério cerebral esquerdo), eu me afasto da confiança (forma de processamento mental do hemisfério cerebral direito); quando eu não mais confio, eu não mais fico aberto a ser conhecido, relacionar-me e amar o outro, acabando por me fechar dentro de uma concha, de um muro de proteção que prejudica a minha capacidade de se relacionar de forma sadia (cf. THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 8-9).
Neste mundo dominado pela herança grega, conhecimento é basicamente entendido como informação factual a respeito do objeto a ser conhecido e explicado; é uma atividade que envolve uma pessoa (sujeito primário) pensando, sentindo e agindo enquanto separado da ideia, objeto ou pessoa em direção as quais os seus pensamentos, sentimentos ou ações são direcionadas.
Tal forma de conhecer, ligada à atividade mental do hemisfério cerebral esquerdo, é tão valorizada neste mundo que, como regra geral, as profissões mais bem remuneradas são aquelas a predominância deste tipo de pensamento, tais como as do ramo do Direito, engenharia, medicina, em detrimento de outras profissões como a dos artistas plásticos, músicos e escritores literários, o que logicamente comporta exceções (cf. ENLOW, Johnny. A Profecia das Sete Montanhas: Desvendando a próxima revolução de Elias. São José dos Campos: Shofar, 2008, p. 122).
A dominância cerebral esquerda alcança inclusive os seminários teológicos e até mesmo congregações inteiras, os quais acabam reduzindo o conhecimento do cristianismo às categorias da lógica, gerando, assim, uma leitura fria e humanista da Bíblia por privilegiar o racionalismo em detrimento do conhecimento gerado pelo relacionamento com Deus, sendo este último a essência do cristianismo e, por via de consequência, formando pastores e obreiros que, apesar de terem um alto conhecimento técnico, teórico, histórico e interpretativo da Palavra de Deus, são altamente tóxicos e nocivos para as congregações pela ausência do fruto do Espírito Santo em suas vidas.
Infelizmente, nossos seminários teológicos têm produzido líderes e obreiros altamente intelectualizados, mas que, em grande parte, nunca prestaram e nem prestam contas de sua vida e de seu ministério para ninguém; líderes e obreiros que nunca se submeteram a um discipulado individual sério e, assim, passam a vida toda com a podridão de caráter intacta, com a iniquidade não tratada, porque nunca souberam na prática o que é o poder transformador da humilhação e da exposição da vergonha dentro de um relacionamento de amor e confiança para serem curados e moldados. Esta falta de prestação de contas é um sério indício de que a liderança de uma igreja está enferma pela iniquidade e necessita de restauração, podendo inclusive conter falsos mestres e profetas, a exemplo do que a epistola de Judas denuncia, especialmente o versículo 12 que os chama de “pastores que a si mesmo se apascentam”, contaminados por toda sorte de paixões da carne, tais como soberba, sensualidade, libertinagem, ganância, etc.
Os líderes com a iniquidade intacta, bem como os membros de uma congregação com o caráter não tratado acabam usando o conhecimento que adquiriram, além da posição, prestígio ou status que ocupam para proveito próprio, para realização pessoal e/ou para autoafirmação, passando a cultivar um profundo senso de orgulho, justiça própria e menosprezo do outro que sabe menos, que tem menos posses ou status, recebendo do inferno a paternidade de Leviatã, que vê tudo aquilo que alto e é o rei dos filhos da soberba (Jó 41:1-34, versão Almeida Corrigida Fiel – ACF). Isto também é “deter a verdade em injustiça” (Romanos 1:18), já que a aquisição e o uso do conhecimento das Escrituras serve tão somente de combustível para a soberba e não para glorificar a Deus e ajudar as pessoas, o que, na raiz do problema, muitas vezes é resultado de feridas na alma provocadas pela iniquidade da rejeição e, por via de consequência, o conhecimento transforma-se em uma máscara perfeccionista usada pela pessoa para esconder, reparar ou compensar um profundo senso de inadequação, vergonha e inferioridade oriundo de relacionamentos partidos, que a pessoa sente por não ter sido nutrida saudavelmente relativamente aos desejos básicos que o coração do homem anseia para se tornar pleno e realizado em sua maturidade emocional.
Analise seu coração, até que ponto nós não olhamos só o que é alto segundo as coisas deste mundo? Até que ponto nós queremos ser cabeça e não cauda para ostentar a glória falida e morta deste mundo: dinheiro, riqueza, fama, posição social, etc.? Até que ponto nós desenvolvemos um profundo senso de orgulho, justiça própria e menosprezo do outro e usamos o nosso conhecimento, posição ou status como fonte de autoafirmação por causa das feridas da rejeição? Até que ponto nós não recebemos a paternidade de Leviatã em nossas vidas?     
Conhecimento lógico e factual por si só não é ruim; é bom quando se trata de coisas, mas não quando se cogita de pessoas, uma vez que, embora traga poder e influência, não garante o desenvolvimento do fruto do Espírito (Gálatas 5:22-23), isto é, amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio, em virtude de que tais qualidades são comportamentais, interpessoais e, portanto, ligadas a atividade do hemisfério cerebral direito, podendo apenas ser produzidas em relacionamentos marcados pelo amor, afeto, confiança, empatia e exercício adequado da direção de autoridade, os quais são os únicos tipos de relacionamento que podem suprir as sete necessidades fundamentais do homem dadas por Deus, que são básicos e universais, quais sejam o desejo de ser ouvido e ser entendido, de ser afirmado, de ser abençoado, de estar seguro, de ser tocado, de ser escolhido, e de ser incluído e é no preenchimento e na satisfação destas necessidades que o ser humano valida sua própria existência e pode desfrutar relacionamentos profundos e ricos com Deus e com as pessoas, já que tais desejos espelham referencialmente a essência do que deve ser o nosso relacionamento com Deus; é por esta razão que se diz que a informação intelectual muda muito pouco a conduta e pouco transforma o nosso coração, justamente por não tocar a parte necessária do nosso cérebro responsável pela mudança de comportamento, que é, repita-se, o hemisfério cerebral direito (neste sentido, consultar LAASER, Mark; LAASER, Debra. Los Siete Deseos de Todo Corazón. Miami: Editorial Vida, 2009, p. 13).
Em razão da conjuntura descrita acima, dignas de louvor são as palavras que a Bíblia nos traz em 1 Coríntios 8:1-3: “(...) A ciência incha, mas o amor edifica. Se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber. Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele” (ACF). Da inteligência desta porção das Escrituras, percebe-se que o conhecimento linear e lógico somente nos incha de informações e nos dá a convicção de que estamos com a razão a respeito das coisas e das pessoas, mas não melhora as nossas capacidades relacionais com o próximo, nem com Deus, e acabamos por descobrir, em dado momento de nossas vidas, que as nossas convicções teóricas e teológicas não combinam com a nossa experiência intuitiva e que as mesmas não passam de informação que parece não ajudar decisivamente a resolver nossos conflitos mentais internos, familiares, no trabalho, com amigos e em outros relacionamentos, embora saibamos que tais convicções sejam verdadeiras, o que, por certo, traz-nos muita culpa por tantas vezes termos falhado em nos comportar de acordo com os padrões de Deus. Sabemos a verdade, mas não conseguimos muitas vezes nos ajustar com ela e praticá-la, pelo que acabamos por sofrer de um ciclo interminável de culpa e vergonha pelos vários tropeços que cometemos.
O amor, pelo contrário, edifica porque é a essência do próprio Deus e toca a parte cerebral responsável pela mudança do comportamento, o hemisfério cerebral direito; amar é uma questão relacional, isto é, trata-se do nosso vínculo com o outro à imagem e semelhança do relacionamento que Deus quer que tenhamos com Ele, conforme se depreende da leitura de 1 Coríntios 13 e, por isso, é chamado de caminho sobremodo excelente: é estabelecer vínculos não para girar em torno de si por meio de satisfações egoístas, mas para se abrir para a possibilidade e realidade de incluir o outro; amar é também estabelecer vínculos relacionais e emocionais sadios com o outro, marcados pelo afeto e pela confiança, capazes de suprir e validar adequadamente os sete desejos fundamentais do coração citados acima, de sorte que o homem possa alcançar a maturidade emocional e espiritual e, assim, caminhar dentro do propósito que o Senhor designou.
Conhecimento lógico, linear, literal e linguístico é importante; veja-se, por exemplo, que muitas descobertas científicas têm melhorado a qualidade de vida do ser humano. Necessitamos adquirir este tipo de conhecimento para viver no mundo de forma adequada e eficiente para uma série de coisas, tais como aprender a ler, escrever, fazer contas, usar um computador, saber informações sobre doenças e sua cura, como se produz energia, como se pode cultivar a terra, enfim, tudo aquilo que habitualmente conhecemos como ciência e tecnologia.
 O problema ocorre quando nós valorizamos e premiamos mais o “conhecer coisas”, ou seja, quando valorizamos mais saber a respeito de fatos, saber a “verdade” de como as coisas funcionam e, por fim, de saber que estamos “certos”, que estamos com a razão ao nosso favor. Isto é tão patente nos dias de hoje que o padrão pelo qual julgamos a dignidade e o valor de uma ideia, de modo a considerá-la “válida” e “confiável”, é dado quase que tão somente pelo fato da pesquisa que a produziu ter sido conduzida por especialistas no assunto.
Tal realidade transplantou-se inclusive para as questões de fé, em que apenas se valoriza pessoas que têm conhecimento técnico e teológico para dizer o que é “a verdade” e, com este pretexto, a igreja católica retirou a Bíblia das pessoas comuns durante a Idade Média, trancafiando-as nas mãos do clero; depois, veio a Reforma Protestante e a Bíblia foi traduzida para as línguas nacionais do povo, contudo, a partir daí, houve um verdadeiro “monopólio da interpretação”, isto é, a Bíblia está nas mãos do povo em uma linguagem que se pode entender, mas só quem tem a autoridade de dizer a forma “certa” e “válida” de interpretá-la é quem tem conhecimento técnico e teológico para tanto, de modo que mais uma vez o monopólio da verdade está nas mãos do alto clero. Dentro desta ótica, a autoridade espiritual e a autoridade da verdade espiritual acabam sendo sinônimos de conhecimento técnico-teológico.  
Entretanto, outra é a realidade das Escrituras, em que a verdadeira autoridade espiritual é dada pelo Espírito Santo para homens que o Senhor separou para si e transformou o caráter para cumprir os seus propósitos eternos; foi assim com Abraão, Jacó, Moisés, Josué, Calebe, Samuel, Davi, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, os apóstolos, Estêvão e tantos outros.
A verdadeira autoridade espiritual não é sinônima de conhecimento lógico de teologia; certamente, o líder, o obreiro e todo crente deve ser bastante instruído na Palavra, até mesmo para não ensinar errado e não cair nas heresias e, para tanto, o Senhor levantou e separou alguns para o ministério de mestre. A verdadeira autoridade espiritual pressupõe também o conhecimento da Palavra, mas decorre, sobretudo, da intimidade com Deus e da sabedoria que é dada pelo Espírito Santo, a qual se baseia no temor do Senhor, no fruto do Espírito, nos qualificativos morais, na maturidade e experiência espirituais e de vida, no bom testemunho, conforme se infere, por exemplo, de 1 Timóteo 3:1-13.
A genuína autoridade espiritual é para os humildes e quebrantados de coração que se esvaziam e confessam que são miseráveis diante de Deus por causa das mazelas do pecado e olham para Cristo, dando graças a Ele, a tal ponto de reconhecer que a graça do Senhor lhes basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza, gloriando-se nas fraquezas, para que sobre eles repouse o poder de Cristo (Romanos 7:24, 1 Coríntios 12:9).
Como dizem as Escrituras, “se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber”, uma vez que o conhecimento lógico e linear, como afirmado acima, não preenche as necessidades relacionais e afetivas ligadas à atividade mental do hemisfério cerebral direito, já que tal tipo de conhecimento serve tão somente para nos dar a sensação de que temos a razão a respeito de algo. Todo o conhecimento produzido neste mundo tem gerado a dominância das formas de conhecer do hemisfério cerebral esquerdo e, assim, transformou-se em uma fortaleza espiritual que reforça a nossa condição pecaminosa de “deter a verdade em injustiça” (Romanos 1:18), isto é, repise-se, de uma maneira que nos assegure que estamos certos, de sorte que falhamos em perceber que esta necessidade de estar certo, de ser racionalmente ordenado e correto afasta-nos da experiência de ser conhecido, de amar e ser amado, prendendo-nos no casulo do egoísmo e do isolamento e, por via de consequência, desconectando-nos do outro e da verdadeira essência de conhecer o Senhor e de ser conhecido por Ele. Por isso, é que as Escrituras dizem que “se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele”, porque estabeleceu vínculo de apego com o Senhor em um relacionamento, conhecendo-o de acordo com as formas de conhecimento ligadas a atividade do hemisfério cerebral direito e, por conseguinte, tendo os sete desejos fundamentais do coração descritos acima satisfeitos, validando e edificando, assim, a sua identidade em Deus em amor (cf. THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 11-18).
Dentro da ordem de ideias até aqui expostas, pode-se utilizar do neologismo “neuroespiritualidade” do “nós” para asseverar a realidade de que a experiência do homem com Deus e, por via de consequência, com o nosso semelhante, dá-se em todas as dimensões em que o homem é composto, isto é, corpo, alma e espírito, os quais não são isolados em compartimentos, mas conectados entre si, de modo que o que ocorre em uma dimensão repercute sobre a outra, tal como a demonstrada conexão existente entre as formas de conhecer dos hemisférios cerebrais e suas repercussões sobre as emoções, a maneira como nos relacionamos, os desejos fundamentais do coração do homem, bem como a forma como se vive a espiritualidade.
A nossa experiência de relacionamento com Deus se desenvolve na dimensão do espírito, porque aquele que se une com o Senhor forma um só espírito com Ele (1 Coríntios 6:17); na dimensão da alma, isto é, na mente e emoções e, tanto é assim, que as Escrituras dão ênfase na renovação da mente para que não nos mantenhamos presos aos padrões deste mundo corrompido (Romanos 12:2), no despojar-se do velho homem e do revestir-se do novo homem através da renovação do entendimento (Efésios 4:21-24), exortando-nos que levemos todo pensamento cativo à obediência de Cristo (2 Coríntios 10:5); bem como na dimensão corpo, já que, nos termos de 1 Coríntios 6:19, o “corpo” é santuário do Espírito Santo, notadamente o sistema nervoso e, especialmente, o cérebro, o qual é o suporte físico, o hardware da alma e do espírito.

[Continua na parte 3]

PABLO LUIZ RODRIGUES FERREIRA
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com



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