terça-feira, 27 de setembro de 2011

DEIXAR-ME-EI ARDER POR UMA BRASA VIVA DO ALTAR DE DEUS: A REALIDADE DA INIQUIDADE EM CONTRASTE COM A GRAÇA DE DEUS


1 No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo.  2 Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. 3 E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. 4 As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. 5 Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos! 6 Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; 7 com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado. 8 Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim. 9 Então, disse ele: Vai e dize a este povo: Ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. 10 Torna insensível o coração deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fecha-lhe os olhos, para que não venha ele a ver com os olhos, a ouvir com os ouvidos e a entender com o coração, e se converta, e seja salvo. 11 Então, disse eu: até quando, Senhor? Ele respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, as casas fiquem sem moradores, e a terra seja de todo assolada, 12 e o SENHOR afaste dela os homens, e no meio da terra seja grande o desamparo. 13 Mas, se ainda ficar a décima parte dela, tornará a ser destruída. Como terebinto e como carvalho, dos quais, depois de derribados, ainda fica o toco, assim a santa semente é o seu toco (Isaías 6 – ARA).
         O capítulo 6 do livro de Isaías fala do chamado do profeta para denunciar o pecado do Reino de Judá e a sua decadência espiritual. Mostra a visão que ele teve do Senhor assentado em seu trono e dos serafins que O adoravam. Isaías teve uma profunda experiência com a manifestação da glória de Deus, notadamente com a Sua santidade, a qual era clamada entre os serafins. Isaías, sendo de família nobre e influente, com certeza teve acesso a uma educação que lhe possibilitou conhecer as Escrituras e lembrar da porção que se encontra em Êxodo 33, tendo na memória que Deus disse a Moisés de que homem nenhum tinha visto a Sua face e depois sobreviveu, pelo que, muito mais do que um conhecimento intelectual da pessoa do Senhor, ele teve um impacto da Presença Real de Deus em sua vida, tendo sido possuído de grande temor e clamado de desespero.
         Ainda que ele não tenha se lembrado de Êxodo 33, a manifestação da glória de Deus foi o suficiente para impactar o profeta, levando-o a se humilhar perante o Senhor, reconhecendo a sua pecaminosidade em contraste com a santidade de Deus.
         Em seguida, o próprio Deus toma a iniciativa de purificar o Seu profeta com uma brasa viva do Seu altar levada por um serafim, removendo, assim, a sua iniquidade e, ato contínuo, comissionando-o para denunciar o pecado do povo de Judá.
         Do texto enfocado, poder-se-á extrair e discernir profundas verdades para a transformação de nossas vidas:
         I) O Senhor é Deus que toma a iniciativa de se revelar aos seus eleitos. Deus anseia estabelecer relacionamento conosco, manifestando-se pessoalmente a fim de revelar quem Ele é em toda a sua essência, toda a sua glória, todos os seus atributos e perfeições. É Ele quem decidiu se revelar como Ele é; é Ele quem toma a iniciativa do relacionamento conosco e só O amamos porque ele nos amou primeiro. Este é o primeiro ato da graça de Deus em nossas vidas, qual seja o fato de Ele se dar a conhecer. Isaías não tinha absolutamente nada que o fizesse merecer a presença de Deus, nem tampouco nós o temos, mas Ele resolveu de forma soberana e gratuita estabelecer conosco uma aliança de salvação pela graça mediante a fé em Jesus Cristo, restaurando o acesso direto a Sua presença, hoje através de seu Espírito Santo e eternamente no Céu.
         O Senhor deu a Isaías uma visão sobrenatural de sua presença, mostrando-lhe a essência da verdadeira adoração através dos serafins. A palavra hebraica “saraf” significa "queimar" ou "incendiar", mostrando que a essência da verdadeira adoração tem de nos consumir por inteiro, requer de nós a inteireza de nosso ser dedicado a Deus. Isaías teve de receber esta essência da adoração, uma vez que ele não tinha referenciais da mesma em virtude do povo estar desviado dos caminhos do Senhor. Deus o conduz a uma dimensão além do natural, levando-o a contemplar o “sobrenatural criado” (os serafins), bem como o “Sobrenatural Não Criado”, a realidade do próprio Deus, mostrando que o relacionamento entre o homem e o Pai Eterno não se pode dar em um nível puramente racional ou psicológico, mas “em espírito e em verdade” (João 4:23).   
         II) Cada crente para ser um crente genuíno tem de possuir uma experiência pessoal de relacionamento na presença de Deus. Isto se dá em vários níveis.
Primeiramente, no novo nascimento, em que passamos a ser novas criaturas pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo em nós (Tt 3:5). Se não nascermos de novo pela obra do Espírito de Deus, jamais poderemos contemplar o Senhor. Sobre o novo nascimento, assim, temos a profunda lição de Arthur Walkington Pink:
O novo nascimento consiste em muito mais do que derramar algumas lágrimas pelo remorso temporário por causa do pecado. É muito mais do que substituir maus hábitos por bons costumes. É algo diferente do mero prezar e praticar ideais nobres. Vai mais além do ato de vir à frente e apertar a mão de um evangelista popular, assinar um cartão de compromisso e filiar-se a uma igreja. O novo nascimento não é apenas uma renovação de boas intenções e virar uma nova folha; é antes o início e a recepção de uma nova vida. Não é uma simples reforma; é uma completa transformação. Em poucas palavras, o novo nascimento é um milagre, o resultado de uma operação sobrenatural de Deus. É algo radical, revolucionário, duradouro (Deus é soberano. 2 ed., 2ª reimpressão. São José dos Campos: Fiel, 2008, p. 89).
Em seguida, temos de desenvolver um relacionamento de comunhão diária com Senhor, através do qual Ele, através de Seu Espírito Santo, infunde em nós a Sua santidade, transformando e embelezando o nosso ser com o fruto do Espírito e capacitando-nos com os dons do Espírito. É um resultado da atuação da graça de Deus em nós.
Por fim, mas não menos importante, temos de desenvolver um relacionamento de comunhão diária com Senhor, através do qual Ele, através de Seu Espírito Santo, que efetua em nós tanto o querer, quanto o realizar, revele a nós o Seu propósito de chamado específico para nossas vidas, comissionando-nos e capacitando-nos a cumpri-lo. No texto enfocado, foi este tipo de chamado que Isaías recebeu, qual seja um chamado específico para profetizar e expor a pecaminosidade de Judá, bem como a ira e o juízo de Deus sobre a nação. Cada um de nós tem um chamado específico para desenvolver um determinado ministério, já que o Senhor separou uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, pastores ou mestres, tendo a finalidade de edificar o Corpo de Cristo, isto é, a igreja, os seus eleitos, levando-os a maturidade espiritual (Ef 4:11-12). A Palavra do Senhor é clara no sentido de que esse chamado é estabelecido de forma soberana por Deus, o qual determina “segundo o conselho de sua vontade” o ministério que havemos de exercer mediante a sua graça, tendo predestinado as boas obras que faremos (Ef 1:11; Ef 4:7; Ef 2:10).
Isaías foi chamado para confrontar a pecaminosidade do povo de Judá. Deus não disse a Isaías que ele seria um “líder de multidões”, que arrebanharia uma “geração frutífera”, que a sua pregação converteria a muitos. Muito pelo contrário, o Senhor foi extremamente claro no sentido de que as palavras que o profeta iria proferir não seriam recebidas pelo povo, endureceriam ainda mais os corações obstinados pela rebeldia do pecado, aumentariam ainda mais a cegueira espiritual da nação e tornariam mais intensa a sua surdez, de modo que não chegariam ao patamar da cura.
O ministério de Isaías, aos olhos da geração caolha dos dias de hoje, seria um ministério “infrutífero”, falido e fracassado, mas, aos olhos de Deus, Isaías fez exatamente o que Ele mandou e cumpriu cabalmente sua missão. Com isto quero apenas deixar um lembrete: não meça ou julgue o ministério de ninguém à luz de critérios humanos; os homens buscam a ostentação e a vaidade dos resultados visíveis, contudo, Deus se satisfaz com o que Ele nos mandou fazer, porque o resultado do nosso trabalho quem dá é o Senhor através do poder do Seu Espírito Santo, o qual determinou de antemão o propósito do nosso trabalho e sabe exatamente o resultado que Ele quer produzir segundo a Sua soberana vontade. Afinal, somente o Espírito Santo pode convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo de Deus, guiando-o no caminho da verdade (Jo 16:7-13).
III) Não se tem como exercer o nosso chamado, quer seja o chamado para a salvação e para a santificação, quer seja o chamado ministerial, sem antes passar pela porta do quebrantamento.
No texto enfocado, verifica-se um profeta humilhado diante da presença de Deus, chocado com a santidade do Senhor em contraste com a percepção da ruína e a miséria de sua condição pecaminosa. O profeta se declarou como homem de lábios impuros e, se os lábios estão impuros, o coração também está sujo, já que a boca só fala daquilo que o coração está cheio. Esta visão da santidade do Senhor recordou ao profeta a sua indignidade que merecia o juízo divino, dando-lhe uma consciência dolorosa de seu pecado, de modo que se quebrantou diante do Senhor (cf. MACARTHUR, John. La Biblia de Estudio Macarthur. Grand Rapids: Editorial Portavoz, 2004, p. 897).
Hoje, vivemos um evangelho do “você quer aceitar Jesus?”. Muitas pessoas estão enchendo os bancos das igrejas, tendo em mente e no coração um “evangelho” em que basta uma “adesão intelectual” da pessoa de Jesus Cristo em suas vidas para que possam andar diante de Deus e herdar a salvação. “Aceitar Jesus” é uma expressão inexistente nas Escrituras. A espinha dorsal do Evangelho de Cristo é o “arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus”, “raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mt 3:2, 7-8). Necessitamos, pois, de um arrependimento genuíno, produzido pelo Espírito Santo, que nos leve a uma profunda transformação de nossas vidas e de nossas atitudes. O arrependimento é uma obra da graça de Deus operada em nós por meio do convencimento do Espírito Santo, o qual transforma a essência do nosso ser e nos torna aptos a mudar, produzindo em nós o fruto do Espírito.  
 O quebrantamento das nossas vontades só pode ser efetuado se nos permitirmos depender do Espírito Santo para mudar uma essência de vida que só ele pode transformar, jogando para fora toda a nossa justiça própria.
Antes, ele dá maior graça; pelo que diz: Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Sujeitai-vos, portanto, a Deus; mas resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração. Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará (Tg 4:6-10 - ARA).
Assim diz o SENHOR: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis vós? E qual é o lugar do meu repouso? Porque a minha mão fez todas estas coisas, e todas vieram a existir, diz o SENHOR, mas o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra (Isaías 66:1-2 – ARA).
A esse respeito, trago à colação mais um ensinamento de Arthur W. Pink:
O conhecimento sobrenatural de Deus produz uma experiência sobrenatural, mas isso é algo para o que multidões de membros de igrejas são totalmente estranhos. A maior parte da “religiosidade” de nossa época é apenas um “velho Adão” retocado. É meramente o adornar de sepulcros cheios de corrupção. É apenas uma formalidade “externa”. É até nos casos onde há um credo saudável, com exagerada frequência tal ortodoxia é morta (Enriquecendo-se com a Bíblia. 3 ed. São José dos Campos: Fiel, 2002, p.17).
Infelizmente, a igreja nos dias de hoje ou gravita em torno de uma experiência com Deus que se resume a uma mera abstração intelectual ou racional ou, então, gravita em torno de uma busca desenfreada de uma experiência “puramente emocional” de Deus. Em ambos os extremos, não se tem uma experiência verdadeira com Deus, não resultando em nada mais do que a intensificação do vazio da alma humana, que só pode ser preenchido com a genuína presença de Deus em nós e a porta para essa verdadeira experiência é a porta do quebrantamento, isto é, do arrependimento e da fé salvadora no Senhor Jesus.
Muitas pessoas resumem a experiência de quebrantamento com o derramar de lágrimas. A Bíblia diz que “não seja que haja algum fornicador, ou profano, como Esaú, que por uma só comida vendeu sua primogenitura. Porque já sabeis que ainda depois, desejando herdar a bendição, foi rejeitado, e não houve oportunidade para o arrependimento, ainda que o procurou com lágrimas” (Hebreus 12:16-17, versão Reina-Valera de 1960, tradução minha do espanhol).
Arrependimento é, em essência, a própria renovação da mente, ou seja, o abandono de uma prática pecaminosa de obras mortas para o cultivo de uma vida segundo os padrões do Reino de Deus.
IV) Como decorrência do exposto no tópico acima, é necessário que sejamos purificados por Deus, permitindo que Ele retire de nós a iniquidade do nosso ser.   
No texto enfocado, diante da contemplação da glória e da santidade de Deus e da percepção de sua pecaminosidade, Isaías quebranta-se e teme e, ato contínuo, o Senhor toma a iniciativa de purificar o seu profeta e um serafim traz uma brasa viva do altar e com ela toca os lábios de Isaías com uma profunda declaração: “que isto tocou os teus lábios; e a tua iniquidade foi tirada, e perdoado o teu pecado”.
Isaías foi primeiramente purificado e liberto para poder ser usado como um instrumento nas mãos de Deus. Liberto de quê? O texto é claro, liberto da iniquidade, a qual é a única coisa que pode nos separar de Deus, tendo seu pecado sido perdoado. A esse respeito, veja-se o que está escrito em Isaías 59:1-2:
Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para que não possa ouvir; mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados esconderam o seu rosto de vós, de modo que não vos ouça.
A iniquidade e o pecado são comumente confundidos, contudo, não são a mesma coisa. O pecado é o fruto da iniquidade, sendo esta última a própria perversidade do homem. O pecado é o ato praticado, a iniquidade, um estado, uma qualidade, uma essência maligna do próprio homem. Segundo o dicionário de Strong, A palavra hebraica para iniquidade pode significar perversidade, mal, culpa, etc., indicando o pecado que é particularmente mau, uma vez que transmite a ideia de distorção ou perversão deliberada, traz também a ideia de culpa por um delito consciente, pelo ato de pecar (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. São Paulo: CPAD, 2011, p. 1832-1833). A iniquidade, portanto, é a condição decaída de corrupção e culpa decorrente da queda do homem e de sua total depravação.
A iniquidade permeia todo o ser do homem, corrompendo seu coração (Jr 17), danificando as suas emoções em direção ao pecado e deformando a sua mente com todo tipo de padrão distorcido e injusto de comportamento em relação ao padrão de Deus.
O que sustenta as iniquidades no ser do homem são as “fortalezas espirituais” da mente, conforme se pode extrair de 2 Coríntios 10:4-6:
Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda a altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo, e estando prontos para punir toda desobediência, uma vez completa a vossa submissão (ARA) (grifo nosso).
As fortalezas espirituais da mente são padrões distorcidos e perversos de conduta moral do ser humano, os quais tem origem na iniquidade, gerando o pecado como fruto em nossas vidas e também a morte espiritual como consequência, já que o salário do pecado é a morte.
O conteúdo da iniquidade e das fortalezas espirituais da mente pode ser visto com mais detalhes no capítulo 59, versículos 1 ao 15, de Isaías, entretanto, só para fornecer uma ideia preliminar, podemos dizer que elas são padrões de desobediência a Palavra de Deus, padrões de orgulho (altivez), que levam o homem a levar a sua vida independente de Deus, isto é, sua justiça própria e autossuficiência, bem como os sofismas, ou seja, os padrões de engano e mentiras espirituais que estão enraizados na mente do homem e determinam a sua ação moral.
A iniquidade e o pecado fazem separação entre o homem e Deus, então, qual o remédio para curar tal separação?
O livro de Isaías, capítulo 59, versículos 16-21, fornece-nos a resposta:
E viu que ninguém havia, e maravilhou-se de que não houvesse um intercessor; pelo que o seu próprio braço lhe trouxe a salvação, e a sua própria justiça o susteve; vestiu-se de justiça, como de uma couraça, e pôs na cabeça o capacete da salvação; e por vestidura pôs sobre si vestes de vingança, e cobriu-se de zelo, como de um manto. Conforme forem as obras deles, assim será a sua retribuição, furor aos seus adversários, e recompensa aos seus inimigos; às ilhas dará ele a sua recompensa. Então temerão o nome do Senhor desde o poente, e a sua glória desde o nascente do sol; porque ele virá tal uma corrente impetuosa, que o assopro do Senhor impele. E virá um Redentor a Sião e aos que em Jacó se desviarem da transgressão, diz o Senhor. Quanto a mim, este é o meu concerto com eles, diz o Senhor: o meu Espírito, que está sobre ti, e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se desviarão da tua boca, nem da boca dos teus filhos, nem da boca dos filhos dos teus filhos, diz o Senhor, desde agora e para todo o sempre (ARC) (grifo nosso).
A solução é o Redentor que o Senhor nos deu, o Senhor Jesus e o seu sacrifício na cruz do Calvário. A palavra hebraica para redentor é gā’al, que significa, segundo o dicionário de Strong, redimir ou atuar como um parente-remidor (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. São Paulo: CPAD, 2011, p.1570-1571). É a mesma figura de Boaz, parente de sangue do marido falecido de Rute, o qual a resgatou, casando-se com ela e livrando-a da miséria em que se encontrava, conforme descrito no livro de Rute. Somente tomando posse do poder da salvação que vem de Cristo, é que seremos livres do poder da iniquidade. Somente o poder do sangue de Jesus é capaz de nos livrar do poder da morte e da iniquidade, já que Ele levou sobre si as nossas iniquidades (Is 53). E a salvação é um ato da graça de Deus, mediante a fé em Cristo.
O segundo passo para a libertação é o “desviar-se da transgressão” (Is 59:20). Aqui é o próprio quebrantamento do “eu” e das nossas vontades através do arrependimento e da fé em Cristo, isto é, o processo de renovação da mente, descrito em Romanos 12:1-2:
Rogo-vos, pois irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformais-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (ARA) (grifo nosso).
Não se pode falar em arrependimento genuíno se a pessoa não passa pelo processo de renovação da mente. Não há arrependimento verdadeiro se a pessoa continua procedendo da mesma forma como procedia antes quando era escrava do pecado, se é que algum dia ela foi convertida pelo Espírito Santo e liberta do poder da morte. A renovação da mente é parte essencial da construção da santidade e esta última só existe no ser humano se um dia ele foi vivificado pelo Espírito Santo de Deus, passando pela experiência do novo nascimento.
Só escaparemos do poder da iniquidade em nossas vidas, se capacitados pelo Espírito Santo, desenvolvermos um estilo de vida completamente oposto ao padrão perverso enraizado no coração do homem.
Apenas para tornar mais claro o que ora se expõe, eis os exemplos de fortalezas espirituais que precisam ser derrubadas a fim de que sejamos libertos do poder da iniquidade: I) a religiosidade; II) a perversão do prazer; III) a rejeição na área familiar; IV) o medo; V) a ambição, a corrupção e o orgulho; VI) a mentalidade racional e incrédula; VII) o materialismo dos bens e das riquezas. Tais padrões precisam ser confessados por nós, renunciados e abandonados através do processo de renovação da mente, conforme dizem as Escrituras nos seguintes versículos:
O que encobre suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia (Pv 28:13 - ARC).
Confessei-te o meu pecado e a minha maldade não encobri; dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado (Sl 32:5 - ARC).
Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados (Tiago 5:16 – ARA).
         É fundamental viver uma vida de transparência diante de Deus no que tange aos nossos pecados, uma vida de confissão, de arrependimento, de fé e de oração, a fim de que cheguemos ao patamar da cura.
         Por fim, conforme extrai de Isaías 59:21, temos de depender do Espírito Santo de Deus, tendo um relacionamento de intimidade com Ele, a fim de que Ele aplique em nossos corações a verdade da Palavra, a qual nunca pode deixar de ser nossa inseparável companheira. Santidade é algo que não vem naturalmente de nós, mas é gerada pelo Espírito Santo através de seu poder restaurador.
Santidade não é uma simples mudança de costumes, um mero abandonar de maus hábitos ou uma absorção de novos conhecimentos, mas é antes uma mudança de essência, uma transformação sobrenatural na qual o Espírito Santo agrega em nós a imagem e semelhança de Cristo, produzindo o fruto do Espírito.
O fruto é do Espírito e não do esforço, senão seria o “fruto do esforço humano”, mas a Bíblia é clara no sentido de que é o “fruto do Espírito” e somente o Espírito Santo pode comunicar e produzir em nós aquilo que é de sua essência (Gl 5:22). Quero com isto dizer que a santidade é obra de Deus, um ato de sua soberana graça, infundida em nós através do Espírito Santo, tendo por fundamento o sacrifício de Jesus. Santidade é um atributo exclusivo de Deus e é Ele quem santifica, operando a dissolução do nosso ser corrupto (cf. KENNEDY, D. James. Verdades que Transformam. 4 ed. São José dos Campos: Fiel, 2005, p. 100-101). Não é um mérito humano, para que ninguém se glorie (Rm 11:6), mas a santidade é um dom de Deus, fruto da sua misericórdia para conosco, já que “não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que se compadece” (Rm 9:15 - ARC). A santificação não é algo em que somos passivos no processo, mas sim ativos, embora tudo proceda da graça de Deus, competindo-nos fazer uso dos meios pelos qual a santificação é operada em nós: a oração, a leitura e meditação na Bíblia, a obediência, a adoração, o arrependimento, a comunhão dos santos (cf. KENNEDY, D. James. Op. cit., p. 100-101).
Infelizmente, nos dias de hoje, perdemos em grande parte essa essência que ardeu nos corações dos reformadores da Reforma Protestante, a de que o todo o processo de salvação é fruto da graça de Deus, baseada nos méritos de Cristo e de sua justiça demonstrada na cruz do Calvário, desde o chamado do pecador, a justificação, a santificação, a adoção de filhos, a perseverança e a final glorificação do nosso corpo com a retirada total e definitiva do pecado quando Cristo voltar; não é do mérito humano, porque a nossa justiça é como trapo de imundície.
Temos de manter essa verdade com uma consistência sólida em nossa mente e espírito para não cairmos em exigências iníquas e opressivas por parte de alguns que exigem de nós um perfeccionismo de conduta, até porque a santificação é um processo de toda uma vida e é feita em etapas, um pouco de cada vez, de glória em glória, cabendo a nós mantermos um firme propósito de mudança, do que depender de nós fazer a nossa parte tomando as atitudes corretas e, acima de tudo, depender do Espírito Santo para dar cada passo. “Tu, SENHOR, conservarás em perfeita paz aquele cujo propósito é firme; porque ele confia em ti” (Is 26:3 - ARA).
Essa brasa viva do altar de Deus que tirou a iniquidade de Isaías e perdoou o seu pecado não foi outra coisa senão a graça de Deus, a qual é a divisora de águas na vida de um homem que foi tocado pelo Senhor e não teve alternativa a não ser se entregar, já que o amor e a graça de Deus nos constrangem. É por esta graça que temos de nos deixar arder.
Arthur W. Pink assim define a graça de Deus:
A graça divina é o soberano e salvador favor de Deus exercido na dádiva de bênçãos a pessoas que não têm em si mérito algum, e pelas quais não se exige delas nenhuma compensação. Não é apenas isso, é ainda mais; é o favor de Deus demonstrado a pessoas que não só não possuem merecimentos próprios, mas são completamente merecedoras do inferno. É completamente imerecida, não é procurada de modo algum e não é atraída por nada que haja nos objetos aos quais é dada, por nada que deles provenha, e tampouco pelos próprios objetos. A graça não pode ser comprada, nem obtida, nem conquistada pela criatura. Se pudesse, deixaria de ser graça. Quando dizemos que uma coisa é de “graça”, queremos dizer que seu recebedor não tem direitos sobre ela, que de maneira nenhuma ela lhe é devida. Chega-lhe como pura caridade e, a princípio, não solicitada, nem desejada (Os Atributos de Deus. 1 ed, 2ª reimpressão. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas: 2001, p. 96-97).
A grande boa nova do Evangelho é que, através da salvação concedida a nós pelo sacrifício de Jesus, somos perdoados e aceitos por Deus, reconciliados com Ele, passando a ter uma provisão diária do relacionamento com Ele por meio do Espírito Santo, o qual testemunha com o nosso espírito que somos filhos de Deus, que somos alvos de seu infinito e profundo amor, o qual nos transforma de glória em glória à Sua imagem e semelhança.
Passamos de réus para justificados e de bastardos para filhos, tudo através do derramar da graça de Deus e esta graça que deve nos motivar a evangelizar e edificar outros.
Fui tão perdoado e aceito por Deus e me sinto tão profundamente amado por Ele, sem nada merecer e sabendo que, em verdade, merecia o castigo eterno pelo pecado, que não posso fazer outra coisa senão testemunhar a outras pessoas o que foi a minha restauração. Essa é a essência da graça, o multiplicar do amor liberalmente.
Foi assim que a graça de Deus também incendiou os apóstolos, como vemos em Atos 4:33: “e com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e abundante graça era sobre  todos eles” (Bíblia na Versão Reina-Valera de 1960, tradução minha do espanhol). E incendiou Isaías, de modo que ele só pôde dizer e se dispor: “Eis-me aqui, envia-me a mim”.
V) Como templos do Espírito Santo, Deus quer preencher todo o nosso ser com a sua presença.
No texto de Isaías 6, o profeta tem a visão do Senhor em um alto e sublime trono e, atentem, a orla das vestimentas de Deus enchia o templo, somente a orla de suas vestimentas era o suficiente para cobrir todo o templo. A imagem que se apresenta aqui é a de um Deus tão gigante que não pode ser contido pelo templo (cf. HarperCollins Study Bible, Revised Edition. New York: HarperOne, 2006, p. 922). Foi o mesmo sentimento que Salomão teve quando da consagração do templo edificado, tendo assim declarado: “Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até os céus dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que edifiquei” (1 Rs 8:27 - ARA). A graça de Deus foi ainda mais longe: Ele decidiu habitar dentro de nós. Ele não somente está conosco, mas dentro de nós, permeando cada faculdade do nosso ser, renovando-as e restaurando-as para Sua glória. Somos o templo do Espírito Santo (1 Co 3:16, 1 Co 6:19, 2 Co 6:16) e, da mesma forma como templo algum feito por mãos de homens pôde conter a Sua glória, a Sua santidade, a Sua majestosa presença, Deus não somente quer morar dentro de nós, mas quer transbordar através de nós a sua glória e o seu amor na restauração dos seus eleitos, dos seus filhos, da igreja que Jesus comprou a preço de sangue.
Isaías temeu por sua vida, achando sinceramente que morreria, porque ele não era digno de ver Deus, mas um serafim purifica-o com uma brasa viva do altar, assegurando-o de que ele estava seguro (cf. Jewish Study Bible. New York: Oxford University Press, 2004, p. 797). Nem os sefarins que não tem pecado algum ousaram contemplar diretamente a glória de Deus, escondendo o seu rosto com duas de suas asas, utilizando outras duas asas para cobrir seus pés em sinal de humilhação. Tudo isso mostra para nós que ninguém pode fluir no relacionamento com Deus se não for aperfeiçoado no temor do Senhor. Esta é uma faceta da santidade que tem de ser infundida em nós através do Espírito Santo e a falta de temor é um claro indicativo de que a vida espiritual não é sadia e que o indivíduo necessita ser quebrantado.
 Entretanto, apesar de indignos pelo pecado, tal como Isaías se sentia, a graça de Deus é tão profunda que Ele resolveu nos usar, aqueles que antes eram inimigos da cruz de Cristo. Foi para nós que Deus deu o privilégio de proclamar quem Ele é, bem como a graça da salvação que dEle provém; os anjos anelaram perscrutar os assuntos referentes ao Evangelho (1 Pe 1:12), contudo, nós, pecadores e inadequados que somos, é que recebemos o chamado para o “eis-me aqui, envia-me a mim”.
E a nós, inadequados e pequenos, Deus diz: “a minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”, pelo que, assim como o apóstolo Paulo, podemos dizer: “de boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que em mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então é que sou forte” (2 Co 12:9-10 - ARA). A graça de deus nos basta, o que nos mostra que precisamos ter uma visão positiva acerca de nossas próprias limitações e imperfeições, sabendo que é na manifestação do poder de Deus em nós que as mesmas vão sendo gradualmente ultrapassadas, pelo que devemos lançar fora de nós todo perfeccionismo que queira nos esmagar, seja através da auto-cobrança, seja através da cobrança de outros quanto a nós. A graça de Deus nos basta, porque o poder de Deus é perito em transformar as maldições em bênçãos, construindo em nós um testemunho de impacto. A graça de Deus nos basta, porque ela é a essência de todo o processo de salvação, pelo que somos chamados a cada dia ao aprofundamento da dependência de Deus, cabendo a nós “celebrar a nossa pequenez”, ao invés de murmurar contra o Senhor. Nesse sentido, trago à colação as palavras de Leanne Payne:
Verdadeiramente, há Um Outro que está conosco, e Ele faz o trabalho – se nós formos cuidadosos em fazer (e continuar fazendo) o único trabalho que o Pai nos deu para fazer: que é o acreditar “naquele que ele enviou”. Nós podemos ir diretamente celebrar a nossa pequenez enquanto aprendemos alegremente e muito sobre a grandeza e o amor do Filho. Nós aprendemos a praticar a presença dEle. Nós confiamos nEle para ser, sempre, nossa adequação (Healing Presence. Grand Rapids: Baker Publishing Group, 1995, p. 24, tradução minha do inglês).
Isaías teve uma visão de Deus. E eu te pergunto, caro leitor, qual a visão de Deus que você tem gravado em seu coração? Não falo a respeito do que você sabe, mas do que sente a respeito dEle. Para você, Ele é um pai cheio de graça ou um carrasco condenador?
Quero lhe dizer que só teremos a visão de Deus como um pai cheio de graça se nos arrependermos profundamente das separações existentes em nossa alma, quais sejam a separação de Deus e as separações causadas por relacionamentos partidos, principalmente na nossa família e, sobretudo, com pai e mãe, praticando a graça do perdão, da mesma forma que o Senhor nos perdoou, jogando fora toda a nossa justiça própria e renunciando aos “direitos” que temos de cobrar as ofensas, sendo capacitados pelo Espírito Santo para dar esse passo, a fim de que o amor de Deus flua para nós e através de nós.
Por fim, minha exortação final, chamando a responsabilidade que nos cabe, é a de que, se a igreja do Senhor quiser sobreviver e brilhar em todo o esplendor da glória de Cristo nestes tempos tão tenebrosos e difíceis, deverá mergulhar em um entendimento maior do que é a graça de Deus, a fim de que sejamos profundamente curados para reter a unção do Espírito Santo, já que a unção, o vinho do Espírito, derramado sobre um “odre velho” resultará em que o mesmo será rompido, derramando-se o vinho e perdendo-se o odre (Mt 9:17). 

Pablo Luiz Rodrigues Ferreira
Setembro de 2011
rugidodaverdade.blogspot.com.br     

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