sábado, 7 de maio de 2011

A RESTAURAÇÃO DA IDENTIDADE DO FILHO: BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO




A RESTAURAÇÃO DA IDENTIDADE DO FILHO: BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO


Em Lucas 15, encontra-se, sem dúvida, uma das parábolas mais conhecidas de Jesus: a Parábola do Filho Pródigo. Longe de examinar a palavra exaustivamente, o presente texto tem a pretensão de tão somente pontuar algumas lições.
No contexto da parábola, Jesus falava a uma plateia de pecadores e publicanos, sendo estes últimos cobradores de impostos a serviço do império romano e conhecidos como corruptos, cobrando mais do que o devido. Junto a eles estavam os representantes da elite da religião judaica, os escribas e fariseus, os quais reclamavam da atitude de Jesus de receber tão livremente pessoas que, para os padrões da época, eram consideradas os piores pecadores (Lc 15:1-2). O formalismo e o legalismo chegaram a um nível tão alto que as tradições dos rabinos totalizavam mais 600 mandamentos no tempo de Jesus (cf. MACARTHUR Jr., John. Chaves para o crescimento espiritual. 5 ed. São José dos Campos: Fiel, 2001, p. 95).
Para confrontar o sistema de formalismo religioso e a cegueira espiritual dos escribas e fariseus, Jesus conta três parábolas em Lucas 15, quais sejam a parábola da ovelha perdida (vv. 3-7), a parábola da dracma perdida (vv. 8-10) e a parábola do filho pródigo (vv. 11-32). Ambas as histórias têm o mesmo foco, qual seja o de mostrar a graça abundante e o perdão de Deus e a alegria dos céus em receber os pecadores arrependidos outrora perdidos.
O judaísmo dos tempos de Jesus não trabalhava bem com a ideia da graça abundante de Deus. Um pecador que quisesse voltar aos caminhos do Senhor tinha de se submeter a uma dura disciplina religiosa. O pecador não era recebido livremente, mas tinha de passar pelos rituais religiosos do judaísmo e provar que de fato deveria merecer o perdão de Deus, acrescentando-se o fato de que havia muita discriminação em relação a alguns tipos de pecadores [alguma diferença nos dias de hoje?].
Passemos, então, ao texto da parábola:


Continuou: Certo homem tinha dois filhos; o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe. E ele lhes repartiu os haveres” (Lucas 15:11-12).


Neste contexto, o filho mais novo pede ao seu pai a sua parte na herança. A primeira coisa que se pode observar é que a palavra original do grego que o filho usa para pedir a sua herança não é a comumente usada para tal, ou seja, referente aos bens imóveis. O filho pródigo pediu, em verdade, para que o pai vendesse a sua parte na herança e em troca lhe desse dinheiro e não terras. Isso tinha uma razão muito simples: se o filho recebesse sua herança em imóveis teria de cultivá-los e, portanto, ficaria preso ao sistema rural daquela sociedade, e mais, ficaria ainda sob a autoridade de seu pai, uma vez que, somente quando o pai morresse, é que definitivamente a propriedade seria transferida; em vida, as propriedades eram do pai, os filhos ficavam apenas como usufrutuários, isto é, tinham a posse, o direito de usar a propriedade, de gozar dos frutos da terra, mas não poderiam dispor da mesma, vendendo-a, por exemplo, além do fato de que o filho pródigo estaria sob a autoridade do pai e teria de lhe prestar contas. A palavra grega para herança neste contexto é “bios”, ou seja, a palavra grega que significa “vida”. O pai deu ao filho sua vida inteira, sua herança e tudo o que a família tinha acumulado durante as gerações antecedentes.
Entretanto, os planos do filho pródigo eram diferentes, ele queria sair da autoridade do pai e sair do sistema agrário em que vivia, morar longe sem ter a quem prestar contas. Como todo jovem, queria “curtição”:


Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente” (Lucas 15:13).


Esse é um claro retrato do gênero humano: a separação de Deus e a vida de rebelião e desobediência. Queremos viver de acordo com as nossas próprias razões e convicções e não de acordo com o padrão que Deus nos propõe e, vivendo essa “liberdade”, em verdade, não conseguimos nada além de trazer sobre nós a ruína e a miséria do pecado, dando oportunidade para que o inimigo de nossas almas nos roube, destrua ou mate. Foi exatamente o que aconteceu com o filho pródigo, viveu dissolutamente e colheu a miséria e o vazio do pecado:


Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade. Então, ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos. Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada” (Lucas 15:14-16).


O “fundo do poço” chegou na vida do filho pródigo, até os porcos tinham uma sorte melhor que a dele, pois tinham o que comer. Na miséria, fruto de sua desobediência, o filho lembrou do bom caráter de seu pai:


Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores” (Lucas 15:17-19).


Assim como o filho pródigo, um dia chegamos a conclusão de que a nossa vida não valeu a pena sem cuidado amoroso de Deus e, então, planejamos o “caminho de volta para casa”, o caminho do arrependimento e da confissão de pecados, esperando que, apesar da nossa indignidade e das marcas da vergonha da desobediência do pecado, Deus de alguma forma nos receba e nos restaure. Mas note, o filho pródigo não voltou para o pai sem antes esgotar todos os seus próprios meios de solucionar os seus problemas, qual seja de arranjar um emprego para se sustentar, já que esperou muito para ter a tão sonhada “liberdade” em relação a autoridade do pai, o que demonstra claramente o retrato da justiça própria humana; sempre tentamos administrar as circunstâncias da nossa vida sozinhos e só recorremos e consultamos a Deus quando tudo falha; fazemos uma série de maquinações para evitar o arrependimento e a confissão dos pecados.
O filho pródigo sabia que tinha não só desonrado seu pai, como também transgredido a lei de Deus. Honrar pai e mãe é o quinto mandamento. Para aquela época, pedir a antecipação da herança para o pai equivalia a dizer: “Pai, queria que você estivesse morto, você está atrapalhando meus planos. Você é uma barreira. Eu quero a minha liberdade. Eu quero a minha realização pessoal. E quero deixar essa família agora. Tenho outros planos que não incluem você, esta família, esta propriedade e nem mesmo esta cidade. Eu não quero me relacionar com nenhum de vocês. Dê-me a minha herança agora porque vou embora daqui” (MACARTHUR, John. A parábola do filho pródigo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009, p. 63).
O pecado do filho pródigo merecia a morte, segundo a lei de Moisés (Deuteronômio 21:18-21), a qual prevê a morte por apedrejamento para os filhos incorrigíveis. Aliás, naquela época era comum fazer um funeral para o filho vivo que saísse daquela forma de casa.
O filho pródigo queria voltar agora para casa, mas sabia que, de acordo com as tradições legalistas da época, sua convivência familiar nunca voltaria a ser como antes. Sabia que não tinha mais direito a qualquer herança e que teria de trabalhar duro para merecer o pão de cada dia, isso se seu pai o quisesse de volta em casa. Ele não tinha alternativa senão a de confiar na misericórdia e na bondade de seu pai para admiti-lo ao menos como empregado.


E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém, disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se” (Lucas 15:20-24).


A história agora passa por uma grande reviravolta, depois destas palavras de Jesus, os escribas e fariseus devem ter “surtado”; a essas alturas devem ter pensado: “como assim, ele perdoou e restabeleceu os privilégios do filho mais novo sem qualquer punição ou condição?”. É, foi exatamente isso que aconteceu. O perdão do pai escandalizou a “justiça” dos fariseus já que, de acordo com a perspectiva deles, o filho deveria no mínimo ser exposto ao escárnio público pelo que fez. É com o perdão e aceitação incondicionais que Deus nos trata quando nos arrependemos. Não precisamos provar a Deus que merecemos o seu perdão e, aliás, nada do que façamos pode comprar qualquer benefício de Deus em nosso favor. Tudo que ganhamos de Deus é fruto de sua graça, de um favor imerecido. Hoje, em tempos de ativismo religioso, muitas pessoas são levadas a achar que pelo fato de estarem em algum ministério, obra, evangelizando pessoas, tendo uma “multidão de discípulos”, estão em um nível mais elevado do que os outros irmãos que não desempenham tais “funções” ou acham que merecem mais bênçãos do que os outros. A graça de Deus nos alcançou igualmente e incondicionalmente. Nosso relacionamento com Deus não é medido por obras de nossa parte, mas pelo amor incondicional que Deus destina a nós, pobres humanos decaídos pelo pecado. O nosso maior privilégio é o fato de que Deus nos ama e de que nos trata segundo a sua graça abundante. Deus somente requer de nós arrependimento de nossos pecados e uma vontade de segui-lo até o fim de nossos dias, amando-o e também ao nosso próximo. O resto ele fará e fará com excelência.
Como disse acima, o perdão do pai escandalizou a “justiça” dos fariseus, porém esta não foi a única coisa escandalosa que o pai fez. Ele também correu atrás do filho mais novo. Para aquela cultura, correr atrás do filho só agravava a vergonha do pai. Nobres não corriam. Correr era para os servos e para as criancinhas. Adultos não corriam, principalmente homens de dignidade e respeito. Por esse motivo, muitos tradutores da Bíblia em árabe usavam outras expressões no lugar de “correr”, tais como “ele se apressou” ou “ele se apresentou” e, somente em 1960, com o advento da Bíblia árabe Bustani-Van Dick, o pai aparece correndo. O pai era identificado com Deus e era vergonhoso demais atribuir a palavra “correr” para uma pessoa que simbolizava Deus (cf. MACARTHUR, John. A parábola do filho pródigo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009, p. 132). Esta é uma figura de Cristo que toma a iniciativa na salvação; Ele nos amou primeiro e não mede esforços para nos resgatar, chegando até o ponto da morte de cruz, suportando a desonra e a vergonha que merecíamos.
O pai estava ansioso para perdoar e, assim, Deus nos espera para que tenhamos relacionamento com Ele. O pai estava “cheio de compaixão”; a palavra grega guarda um significado ainda mais profundo, conotando uma sensação visceral, ou seja, uma emoção tão forte que fez seu estômago se revirar (cf. MACARTHUR, John. A parábola do filho pródigo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009, p. 133).
O pai renunciou a toda a forma de punição e castigo, suportou a vergonha e a desonra, renunciou ao orgulho ferido, aceitando seu filho de volta. O pai ofereceu sua aceitação plena, amizade, amor, perdão, restauração e total reconciliação, sem qualquer obra por parte do filho. Jesus queria mostrar o quanto os fariseus tinham uma imagem deformada de Deus em seus corações, um deus legalista, iníquo, inflexível e vingativo. Embora não seja o foco principal da parábola, Jesus queria mostrar que a salvação e a justificação do homem diante de Deus não eram por obras, isto é, ninguém precisa fazer algo para merecer o perdão de Deus.
O pai do filho pródigo não só o perdoou, mas lhe restituiu os privilégios. A condição de filho foi restituída. Os calçados simbolizavam isso, uma vez que andar descalço era para os escravos e empregados; somente os patrões andavam calçados, mostrando mais uma vez que a aceitação do pai foi completa. Assim também Deus faz conosco.
O pai também mandou trazer a melhor roupa para o filho, a roupa reservada para as grandes ocasiões, a expressão grega literalmente significa “roupa de primeira”. Espiritualmente, esta roupa significa a “veste de louvor em vez de espírito angustiado” (Isaías 61:3). É o dom da honra sendo restituído e cobrindo toda a vergonha causada pelo pecado e a desobediência, uma obra que o Espírito Santo produz em nós e que Deus pai com muito carinho providencia.
Por fim, o pai deu um anel ao filho, o qual era um sinete que tinha a insígnia da família, o qual servia para dar autenticação legal. Aqui é o dom da autoridade sendo restituído (cf. MACARTHUR, John. A parábola do filho pródigo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009, p. 146-148). Espiritualmente, o anel significa que somos declarados como autênticos, legítimos em autoridade, selados com o Espírito Santo, como fala o apóstolo Paulo: “(...) fostes selados com o Espírito Santo da promessa; o qual é o penhor da vossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Efésios 1:13-14). O anel é um selo com o qual se marcava documentos importantes, dando-lhes autenticidade, veracidade, segurança e autoridade e é assim que o Espírito Santo nos sela. “O Espírito de Deus mesmo vem morar no crente, em grande parte para assegurar e preservar sua salvação eterna. O selo de que fala Paulo se refere a uma marca oficial de identificação que se colocava em cartas, contratos e outros documentos importantes. Assim o documento ficava sob a autoridade autentica e oficial da pessoa cuja marca ficava impressa no selo. Há quatro verdades primordiais que se estabelecem por meio de um selo: 1) segurança; 2) autenticidade; 3) propriedade e 4) autoridade. O Espírito Santo é dado por Deus como seu juramento da herança futura do crente na glória” (MACARTHUR, John. La Biblia de Estudio Maccarthur. Grand Rapids: Editorial Porta Voz, 2004, p. 1655). Essa é a obra que Deus faz conosco ao nos reconciliarmos com Ele.
A alegria no céu quando um pecador se arrepende é ilustrada pela celebração que o pai fez, além da matança do novilho gordo, que representa o sacrifício de Cristo pelos nossos pecados.
A história agora passa por uma nova reviravolta:


Ora, o filho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos criados e perguntou-lhe que era aquilo. E ele informou: Veio teu irmão, e teu pai mandou matar o novilho cevado, porque o recuperou com saúde. Ele se indignou e não queria entrar; saindo, porém, o pai, procurava conciliá-lo. Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos; vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado. Então, lhe respondeu o pai: Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu. Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (Lucas 15:25-32).


Agora, o filho mais velho entra em cena e não gosta nada da situação com a qual se deparou. O filho mais novo, o qual tinha dilapidado toda a sua herança e desonrado gravemente o seu pai, agora estava sendo agraciado com uma festa em comemoração pela sua volta e sendo alvo com toda a espécie de honra. O filho mais velho agora estava ressentido com a atitude do pai. O filho mais velho simboliza a casta religiosa de escribas e fariseus. É o próprio espírito de religiosidade, incapaz de sentir a alegria pelo fato do irmão ter se salvado, clamando pelo castigo ao invés da aceitação e perdão incondicionais que o pai poderia destinar ao filho mais novo. E quantas vezes não somos como o filho mais velho? Estamos dentro da casa do Pai, cumprimentamos nossos irmãos, mas não gostamos do que o nosso Pai gosta, não aprendemos a agir como Ele age e não tentamos trilhar o caminho sobremodo excelente do amor, não aprendemos a renunciar aos nossos direitos e razões para viver uma vida mais junto dEle. Ficamos na “justiça legal” e nos ritos religiosos, até choramos nos cultos, mas lá dentro do nosso coração, onde ninguém pode ver, nutrimos um coração mau, cheio de ingratidão, reclamando, murmurando de tudo. O mínimo que se esperava do filho mais velho era que fosse grato por ter desfrutado da companhia do pai durante anos e de ter consigo a alegria de saber que seu irmão voltou salvo, escapou da morte e da desgraça e agora poderia desfrutar de um novo começo em sua vida. A companhia com pai deveria ter lhe possibilitado ser bondoso como seu pai o era.
O filho mais velho era tão rebelde quanto o mais novo foi no começo, porém seus sentimentos ficaram ocultos e a sua rebeldia camuflada. O filho mais velho chegou até mesmo a insinuar que merecia mais do que o mais novo por ter trabalhado muito e ter sido obediente as suas ordens. Este é um detalhe importante: muitas vezes, pensamos que religiosidade é somente a do cara que sabe tudo de Bíblia e é muito julgador e legalista, mas o texto lança uma luz sobre outro tipo de religiosidade, qual seja a do ativismo religioso: é o fazer desenfreado de obras e eventos para a igreja sem a motivação de realmente agradar a Deus. A pessoa acaba se tornando “um fazer humano” com a motivação de preencher suas necessidades de autoafirmação, agindo na cegueira espiritual, pensando que tem algum “mérito” diante de Deus pelo que faz e que é até mais importante do que outras pessoas pelo que faz. Enfim, toda a obra realizada é feita como fruto de orgulho espiritual. A palavra grega usada pelo filho mais velho é “doulos”, ou seja, escravo, ele literalmente diz que trabalhou como um escravo para o pai, o que mostra a verdadeira face da religiosidade, qual seja a escravidão espiritual.
Analisando o texto da parábola, vemos que Jesus se utiliza de duas palavras gregas diferentes para filho: “huios” e “teknon”. A primeira forma é a palavra formal para filho, o filho maduro com todos os privilégios. A segunda forma é a do filho imaturo. Em Lucas 15:31, Jesus usa a palavra “teknon” para o filho mais velho, o qual é representativo dos fariseus. Infelizmente, é assim que somos quando nós estamos presos pela religiosidade, seja ela na forma do legalismo, seja na forma do ativismo religioso, imaturos espiritualmente, escravos de rituais, de cultos, de mostrar nosso valor através de obras e serviços, escravos do orgulho, escravos da lei, escravos de pessoas, sem uma identidade própria no Reino de Deus.
Deus quer que cheguemos ao patamar do filho maduro, com todos os privilégios de um relacionamento com Ele. Romanos 8:19, assim diz: “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus”. Aqui a palavra é “huios” para filho, pois somente filhos maduros, com os frutos do Espírito Santo, com uma identidade forte no Senhor, podem realmente fazer a obra dEle sem roubar a glória que somente é devida a Ele, impactando uma sociedade em decadência e revertendo um histórico de degradação espiritual que ela apresenta.
Temos que ser sarados nessa dimensão de filho de Deus, desfrutando de um relacionamento paterno profundo com Deus, caso contrário, seremos filhos “bastardos” ou “órfãos”, servos que buscam seus próprios interesses e uma noiva “prostituta”.
A parábola nos mostra uma importante lição neste particular, a respeito da nossa cura: o milagre tem de acontecer dentro da nossa própria casa. Em Êxodo 20:12, tem-se o quinto mandamento nos termos a seguir transcritos: “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá”.
Infelizmente, vivemos uma época em que nunca este princípio foi tão abandonado. O inimigo de nossas almas tem investido pesado para que as famílias sejam, cada vez mais, desestruturadas, colocando filhos contra os pais e os pais contra os filhos, a fim de que as pessoas não tenham um referencial seguro do amor paterno de Deus, causando todo tipo de deformidade na personalidade e emoções das pessoas, tais como a rejeição, o senso de abandono, os complexos de inferioridade, a ansiedade, os ciúmes, entre outros. Nada desestrutura mais as emoções e a personalidade de um ser humano do que ter um relacionamento partido com seus pais, do que sentir mágoa, rancor e ressentimento contra as pessoas que deveriam ser fonte de amor e aceitação incondicionais.
Como resultado desses relacionamentos partidos com os nossos pais e as mágoas deles decorrentes, nós não conseguimos ter uma percepção em nossas emoções mais íntimas de que, de fato, Deus é um pai bondoso que nos ama e nos aceita incondicionalmente. Transferimos para Deus todas as emoções que sentimos em relação aos nossos pais, de modo que passamos a ver Deus do mesmo modo que percebemos e vemos nossos pais.
Se tivemos o cuidado e o carinho afetuoso de nossos pais desde os primeiros anos da infância, teremos condições para enxergar Deus como um pai amoroso, contudo, se nossos pais foram severos, críticos, injustos, ausentes quando necessário, cheios de ódio, nós enxergaremos Deus da mesma forma, ou seja, de uma maneira deformada. E não somente isso, os relacionamentos partidos com nossos pais prejudicarão todos os nossos relacionamentos pessoais, transferiremos para outras pessoas, principalmente para as pessoas que desempenham funções de liderança em nossas vidas, todo o amor que gostaríamos de ter recebido de nossos pais, mas também transferiremos todo o nosso ódio e frustração (cf. SEAMANDS, David A. A cura das memórias. 2ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 77-87). Além do que cultivaremos toda a espécie vício e dependência, inclusive a dependência emocional em relação as pessoas.
A única maneira de nos curarmos na nossa dimensão de filho e recuperar uma saúde emocional que nos possibilite viver o Evangelho é a restauração do princípio da honra em nossas vidas, isto é, o perdão e a reconciliação nas nossas relações familiares, principalmente com nossos pais. Devemos perdoar os nossos pais pelas falhas do passado e começar a semear amor onde antes não existia, semear amor, respeito e aceitação incondicionais em relação a eles, reconhecendo que, se tivemos uma relação difícil na família, isso se deveu em virtude da atuação maligna do inimigo de nossas almas, que veio para matar, roubar e destruir o que temos de melhor. Nossos pais também precisam de amor para ser restaurados e se render ao Evangelho de Cristo, porque também foram vítimas da atuação do nosso inimigo e, com certeza, também tiveram uma vida complicada em relação aos pais deles. Precisamos desse nível de cura a fim de que não repitamos o mesmo quadro de rejeição com os nossos filhos. Irmão, não se engane, se não atingirmos esse nível de cura, repetiremos os mesmos abusos que sofremos, porque ferimos os outros da mesma forma que fomos feridos.
A nossa família é o nosso maior patrimônio. E, se não nos restauramos nesse nível, será muito difícil viver o Evangelho, pois a essência do Evangelho é o amor. Enquanto não renovarmos a nossa mente nessa área, seremos cegos espiritualmente e, portanto, um alvo fácil para a atuação do inimigo. Veja o diz Provérbios 30:17: “Os olhos de quem zomba do pai ou de quem despreza a obediência à sua mãe, corvos no ribeiro os arrancarão e pelos pintãos da águia serão comidos”. Infelizmente, o caminho para aqueles que não passam pela porta do perdão e da reconciliação na família é este, não desfrutaremos do melhor de Deus para nossas vidas por causa da cegueira espiritual. E que maior bênção podemos ter do que ver Deus como Ele é e desfrutar de seu amor paternal?
Precisamos da unção de Elias nesses últimos dias, ou seja, uma profunda restauração na área familiar, como foi profetizado pelo profeta Malaquias: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor; ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não fira a terra com maldição” (Malaquias 4:5-6).
Esta é a chave do avivamento que tanto ansiamos para o nosso tempo. De nada adianta termos o culto mais animado da face da terra, o melhor louvor, uma boa visão de igreja a perseguir e até mesmo as manifestações sobrenaturais do Espírito de Deus, se nós não voltarmos para a essência do Evangelho de Cristo e de seu caráter. A unção sobrenatural de Deus vem, mas os “vasos” não estão inteiros, estão cheios de grandes rachaduras e toda a unção liberada não é retida, mas escorre pelas brechas. Enfim, um dia acordamos e percebemos que tudo não passou de apenas mais um “mover do Espírito Santo”. Quem sabe a próxima geração consiga.
Irmão, não queira deixar para a próxima geração aquilo que Deus pode realizar no tempo que se chama hoje em sua vida.
Meu desejo para você leitor é que o melhor de Deus aconteça em sua vida. Faça a sua parte, porque é fiel para fazer a parte dEle no meio do processo. Deus é um pai bondoso e não medirá esforços para ver você restaurado, basta você querer trilhar o “caminho sobremodo excelente do amor” (1 Coríntios 13).

Pablo Luiz Rodrigues Ferreira
rugidodaverdade.blogspot.com.br
pablolrferreira@hotmail.com


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